28/03/2009

Swing Um e Meio

Tudo começa quando o casal tem a genial idéia de ter mais um filho, além dos dois que já têm. Aristóteles já dizia há milhares de anos que o número três era retoricamente perfeito. Esta lógica pode ser percebida de forma até simplória em argumentações corriqueiras (ponto, contraponto, conclusão), dialéticas (tese, antítese e síntese) e na própria narrativa (começo, meio e fim). As peças de teatro a partir do Renascimento começaram a se organizar em três atos. No mais, o roteirista e professor Jean-Claude Carrière cita a tradição oriental do “Ho-kai-jun” como uma constante em cada cena de um roteiro, abrangendo para a estrutura completa da história: início, desenvolvimento e brilho. Em narrativa, ou qualquer tipo de argumentação retórica, três nunca é demais.

Fácil entender portanto porque algumas histórias são concebidas como trilogias. Quando uma narrativa se desdobra além de uma peça única, a tendência é que ela ocorra em três partes. Analisando cada episódio em separado, no entanto, normalmente chegamos à conclusão de que há diferenças, notadamente de ordem qualitativa, no que diz respeito a um deles. E, na grande maioria dos casos, essa queda se aplica ao segundo episódio. Isso, o do meio.

É uma ruptura brusca do estado de inércia, assaz confortável, do filho que por hora é o caçula. Obviamente esse impacto é sentido por todos os filhos que não sejam o mais novo, mas em uma família de 3 irmãos há um conflito recorrente.
Se pensarmos em uma narrativa veremos: primeiro se apresenta o contexto, depois tenta-se desenvolver um conceito para só depois concluir-se com um pouco mais de segurança o que se quer dizer. A parte transitória, o meio do caminho, se isolado, encontra-se perdido. É isso que acontece com o filho do meio. ele não é nem a forte representação do orgulho da casa (no caso do mais velho) e nem a frágil criatura a ser protegida (no caso do caçula). Ele termina se colocando num limbo, rodeado por obrigações e frustrações, carente da atenção devida.

Quem tem ou é irmão do meio sabe que essa figura na família tem suas peculiaridades. É um tipo diferente desde pequeno. Tem suas esquisitices e, em geral, não se parece com ninguém da casa. Ele tem sempre um jeito de manifestar o crescimento e o sofrimento que lhe é imposto. É muitas vezes agressivo e gosta de chamar atenção. Ele é o mais problemático, mas, conforme observei, é com frequência o mais esperto.


Ele teve que aprender a conseguir as coisas do seu jeito e a se virar com os objetos reutilizados dos seus irmãos. Ele é sensível à alterações e muitas vezes é o mais criativo da casa. Geralmente bem humorado, é o mais excêntrico dos filhos. Não é muito apegado às coisas materias pois aprendeu, por bem ou por mal, a dividir. Convive muito bem com terceiros, é muito solidário e agradável. Ele aprendeu a ser assim.

O que tenho a dizer sobre a minha própria experiência é que não é nada fácil ser irmã do meio. Existe uma sensação constante de abandono e uma responsabilidade que muitas vezes pesa sobre os ombros, mas não imagino minha vida sem meus irmãos. Não gostaria de ter continuado a ser aquela caçula mimada que existia antes da Marina nascer, tampouco posso conceber minha vida sem o Pedro pra me apurrinhar e me defender inconcessivamente. Não imagino a minha casa vazia, não sei o que é viajar num carro com espaço no banco de trás. Não sei o que é não ter irmãos para contar piada, pra lembrar fatos do passado, para fazer a vida seguir de forma mais amena.

Ser irmão do meio é uma oportunidade única de crescimento. É amadurecer com o exemplo recebido e, de certa forma, libertar-se com o exemplo dado. É jamais estar só.

Já dizia um antigo filósofo que agora não lembro o nome: "A sabedoria encontra-se no meio".

22/03/2009

Há tempo pra tudo...


Acho engraçado como tudo na vida é uma questão de tempo.
Crescer é questão de tempo. Aprender é questão de tempo.
Seus amigos e amores são questão de tempo.

É estranho quando você se depara com uma pessoa que tem gostos e amigos em comum com você e você nunca teve oportunidade de conhecê-la. Vocês nunca estiveram no mesmo lugar, ao mesmo TEMPO.
Da mesma forma, é surpreendente como algumas pessoas entram irreversivelmente na sua vida pelo simples fato de terem aparecido na hora certa.

Apaixonar-se é isso.
É estar carente e com a mente aberta para o que há de vir.
É estar atendo para qualquer coisa que possa aparecer.
É olhar na hora certa.

Estar apaixonado significa relevar aspectos importantes do outro por conveniência. É necessário que o próximo mais próximo se adeque às suas necessidades. É necessário que ele corresponda às suas expectativas, que ele preencha um vazio que é exclusivamente seu.

Entretando, apaixonar-se é fundamental para o ser humano. É necessário abster-se de si para se encontrar, é necessário dar-se para se completar. Mesmo porque se há uma verdade na vida, é esta: Jamais estaremos completos.

Mesmo que pareça, não abomino as paixões avassaladoras, ao contrário, elas nos dão mais ânsia de viver e, mesmo por carência ou conveniência. nos dão sempre a possibilidade de encontrar, nos caminhos tortos da vida, alguém que tenha mais de você do que você mesmo.

O tempo é sábio até em nos fazer perceber o que foi criado pela nossa mente e o que foi criado pelo nosso coração.
O tempo nos dá a oportunidade de olhar as coisas de cima e entender o sentido de tudo o que acontece com a gente. Depois de tudo isso, ele ainda nos dá o tempo de recomeçar.


"Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
2 Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
3 Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
4 Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
5 Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
6 Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
7 Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
8 Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
9 Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha?
10 Tenho visto o trabalho que Deus deu aos filhos dos homens, para com ele os exercitar.
11 Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim."

Eclesiastes, 3 - 1, 11 (O texto que marcou uma mudança crucial na minha vida)

18/03/2009

Crime e Castigo - Sobre o caso Fritzl

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1047863-5602,00-FRITZL+ADMITE+CULPA+PELAS+ACUSACOES+NO+ULTIMO+DIA+DO+JULGAMENTO.html

Às vezes acho muita pretensão da nossa parte culpar e punir alguém. É claro que as leis existem para que haja ordem na convivência entre as pessoas, mas essas leis estão amparadas por pressupostos morais que existem desde não-sei-quando e foram criados por não-sei-quem. Nessa semana voltou à tona um caso que horrorizou o mundo inteiro: Josef Fritzl, o pai pedófilo e perverso da Áustria. Várias vezes, escutei e li que é impossível defender uma pessoa como ele e que nada justificaria os atos, no mínimo cruéis, daquele pai. Pois, pra mim, tem justificativa sim.


Toda essa história chega ate nós de forma escandalosa e sensacionalista. Não que o caso não fosse grave, mas obviamente existe mais aí do que a gente sabe. A começar pela historia de vida desse homem. Sabe-se que a perversão e a psicose são distúrbios que se originam na vivência do Édipo, lá na infância. A mãe da família apresentou, aparentemente, uma conduta muito conveniente. Talvez fosse ela também uma pessoa com problemas psicológicos. Ainda existiam os moradores do prédio (sim, eles moravam em um edifício da família) que não desconfiaram de nada! E todos os assistentes sociais que foram à residência dos Fritzls?



Com certeza essa não era uma família normal. O incesto é sim uma prática absolutamente condenada na nossa sociedade, não somente porque é passível de geral uma gravidez e, consequentemente, um feto com muitas alterações biológicas, mas principalmente por questões culturais. Manter uma pessoa reclusa durante 24 em um local sem ventilação também não é o que se pode chamar de ação exemplar. Foram muitos os atos desse pai que fizeram nossas consciências se contorcerem.

Pra mim e pra maioria das pessoas é repugnante, cruel e condenável estuprar a própria filha por mais de 30 anos. Pra ele não. É uma questão de valores, de conceitos. O problema ai é que, como já disse, é necessário que se estabeleça um equilíbrio pra vivermos em paz, é necessário que se criem regras. Foram essas regras Josef Fritzl não aprendeu.

Não há o que ser solucionado nesse caso. Acho que seria inútil tentar (provavelmente em vão) ensinar para um homem de 72 anos coisas que pra ele não fazem sentido algum. Realmente, Fritzl não é uma pessoa passível de convivência, por isso mesmo talvez ele não deva ser preso. Sua filha e seus filhos-netos também não terão um prognóstico muitos bom, mas a esses sim ainda resta uma esperança.

No entanto, queremos puni-lo e até matá-lo, queremos vê-lo sofrer. Pois então não estaríamos nos igualando a ele? Não nos prenderam também em locais sem ventilação e sem luz solar? Não somos reféns?

Fico me perguntando quais são as nossas prioridades nessa vida.

08/03/2009

Do sétimo andar



Quando fizerem o filme da minha vida, por favor, toquem essa música na parte principal.
Não sei o que acontece comigo quando ouço essa música...
Fico leve, meus olhos ficam turvos, meu coração fica apertado...

Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de Los Hermanos e quanto me identifico com TODAS as músicas da banda, mas 'do sétimo andar' é a tradução da minha essência.
A melodia aparentemente constante, a alegria espontânea, inerente e a surpresa da revelação de um refrão já esperado.

O otimismo e a esperança. O jeito bobo de fazer-se sonhar...

"Fiz aquele anuncio e ninguem viu
pus em quase todo lugar
a foto mais bonita que eu fiz
voce olhando pra mim..."


O convívio com a conveniente e reconfortante solidão...

"Alto aqui do setimo andar
longe eu via voce
e a luz desperdiçada de manhã
num copo de café..."


A valentia, a caricaturização, os princípios...

"Deus sabe o que quis foi te proteger
do perigo maior que é você.
E eu sei que parece o que nao se diz..."


A resignação, a redenção...

"O seu caso é o tempo passar.
Quem fala é o doutor."



A autonomia, a destreza, a competência, a independência, o crescimento...

"Parece que foi ontem eu fiz
aquele chá de abu
pra te curar da tosse e do chulé
pra te botar de pé
e foi dificil ter que te levar aquele lugar
como é que hoje se diz
voce nao quis ficar..."


A fuga, o bloqueio, a busca, o encontro, a consciência...

"Os poucos que viram você aqui
Me disseram que mal você não faz
e se eu numa esquina qualquer te vir
será que você vai fugir?
se voce for eu vou correr
se for eu vou..."



A ausência e a intensidade.
O desespero e a angústia.
O peso e a força de todas as palavras que não podem ser ditas.
Isso tudo somado à uma quase paradoxal melodia que por instantes nos transmite uma alegria sutil.

Não sei se o filme da minha vida será um curta ou um longa, se vai ser um sucesso ou um fracasso, mas peço que quando chegar a última cena, do meu túmulo em um cemitério de grama muito verde e alguém que me ama muito com o olhar perdido, o plano aumentando lentamente, aí então, pouco a pouco, toque "Último Romance", na versão orquestrada.
Tenho certeza que alguém, ao ver o meu filme, vai sentir o coração tremer como o meu treme ao ouvir 'Do Sétimo Andar'.
Alguém há de gostar.

01/03/2009

Pensar? Pra quê?

Quantas vezes já me peguei pensando em como seria bom ter nascido na década de 50 ou 60 e viver a euforia da década de 70... Nossa! Me imagino sendo hippie de corpo e alma ou sendo uma jovem revolucionária lutando contra a ditadura e vivendo a obstinação do comunismo.

Aí eu penso como é desinteressante viver o século XXI. Fomos dispensados da tarefa de pensar, há quem faça isso pra gente. As músicas são feitas apenas para proveito do corpo. Os livros são simples e objetivos e te dizem como você deve viver. A TV diz com o que você deve se preocupar e com o que você deve se emocionar. Não precisamos nem viver nossa própria vida, podemos simplesmente viver a vida de outro.

O que é mais 'engraçado' nessa história é que viemos parar aqui trazidos por aqueles jovens de cabeça aberta dos anos 70. Aqueles que queriam se libertar dos padrões da sociedade capitalista, que se uniam em prol de um bem comum. Foram eles que, com a melhor das intenções, resguardaram seus filhos de qualquer dificuldade.

E, pra piorar, todos eles mudaram de opinião. Não existe mais o Partido dos Trabalhadores. O maior representante da luta sindical e partidária da época enfim virou presidente e então, ó! Ele subiu no muro! Os comunistas viraram democratas.
O que, pra mim, é sinal de amadurecimento.

Mas esses adultos acharam que suas lutas bastaram e isentaram seus filhos de responsabilidades. Eis que chegamos à uma geração de alienados. Alienados e mimados.

Não direi que a minha geração não corre atrás dos seus direitos, muito pelo contrário, somos exigentes e fazemos pirraça. Mas estamos lutando por o que?
Exigimos nossos direitos de consumidor, reclamamos danos morais e materiais, mas não gostamos de discutir política. Sabemos que ganhou o BBB de 2003 mas não sabemos em quem votamos no ano passado. E que droga é o horário eleitoral!



Não saber conversar, nem participar de um discussão. Aliás, já é difícil conversar pessoalmente! Não sabemos mais o significado da palavra 'ética'. Não sabemos viver em sociedade. Não temos noção de sistema partidário. Não sabemos absolutamente nada do sistema de governo. Sem falar no consumismo e no individualismo. Isso merece um tópico próprio.

Mas tem algo que a gente sabe fazer muito bem: reclamar. A gente reclama do governo, do ônibus, da comissão de formatura, dos professores, do horário de aula, do vizinho, do colega. Mas quero ver quem reclama se um professor faltar.

Política é coisa de velho. Coisa de jovem é publicidade.
História é passado morto. Estar na Moda é estar atualizado.

Nossos jovens não são alienados só politicamente, são alienados socialmente, espiritualmente e até biológicamente. Isso me entristece e me envergonha.