18/03/2011

Bem vindo à casa das bonecas - Dica!


Que eu sou cinéfila não é nenhuma novidade. Também não é novidade que prefiro não indicar filmes porque acredito que meu gosto seja duvidoso. Isso porque gosto de todo tipo de filme e muito dificilmente direi a alguém que um filme não deve ser assistido. Sou uma cinéfila por paixão e, por isso, me abstenho de preconceitos.
No entanto, venho aqui me dar o direito de quebrar as regras uma vez e fazer propaganda de um filme.

O filme chama-se Bem-Vindo à Casa de Bonecas, do diretor Todd Solondz, de 1995.
A história gira em torno de Dawn Weiner. Vítima de bullyng, é constantemente perseguida na escola. Ela deseja ser popular mas a adaptação ao ginasio se torna cada vez mais difícil. No decorrer na história ela se envolve com o garoto problema, Brandon McCarthy, que apesar das provocações levadas, Dawn percebe que tem traços em comum com ele.
Tem no elenco: Heather Matarazzo (A Lilly de O diário da princesa, lembram?), Eric Mabius (de Ugly Betty), Christina Brucato e Victoria Davis Heather.

Surgem então 2 perguntas: Por que um filme tão antigo? E por que um filme com tanta cara de sessão da tarde?
Bem amigos, quando assisti esse filme pela primeira vez eu tinha entre 8 e 9 anos de idade. Eu, irmã do meio assim como a protagonista da história, tinha uma irmã mais nova que mal sabia andar - um poço de fofura - e um irmão mais velho no auge da crise da adolescência. Eu, como toda boa pré-adolescente, era desajeitada, boba e apaixonada por um rapaz mais velho. Parte daí o 1° ponto: identificação.
O 2° ponto foi o impacto que esse filme causou em mim. Na época fiquei impressionada por mais de uma semana, abalada por sentimentos fortes. Passados alguns anos procurei o filme para assistir novamente, mas não lembrava do nome corretamente. Semana passada eu estava na casa da minha avó sem muito o que fazer e peguei um jornal que estava jogado em um canto. Lá estava uma matéria sobre esse filme, acompanhada de uma foto da protagonista. Corri e procurei na internet pra baixar.
Ontem assisti ele novamente e me senti tão tocada quanto há 15 anos atrás. Esse filme mexeu comigo de tal forma que achei válido compartilhar com meus leitores.

Uma cena em especial chega a me deixar sem fôlego. É a cena em que o garoto que, a princípio, mais maltratava a personagem principal, promete que irá estrupá-la e a leva para um local abandonado, mas por fim acaba revelando-se tão frágil e carente quanto ela.

Eu cometi erros iguais os dela e agi da mesma forma muitas vezes. Enfim, não contarei o filme todo aqui. Assistam! vale a pena!

02/03/2011

A Gente Se Acostuma

Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite.

A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e a dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.

E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita.

E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais.

A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber. Vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente se senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma





Marina Colassanti