23/09/2013

Agora - despida, caída, ferida - não consigo me lembrar porquê deixei você entrar.
Não foi seu sorriso, seus olhos ou sua boca, que, apesar de serem belos, não tinham nada de especial.
Não foi o seu papo ou o seu groove, a delicadeza ou a inteligência. Não vi muito disso em você.
Com certeza não foi o jeito rude de falar das mulheres ou a frieza ao meu lado.
Talvez tenha sido o meu cansaço, que depois de tantos encontros e desencontros, só me fazia querer outro corpo colado ao meu.
Talvez tenham sidos os dias, meses ou talvez anos que desperdicei esperando que alguém viesse bater à minha porta.
Talvez tenha sido porque você foi o único que apareceu.
Quando abri os olhos só vi o vazio que havia em mim e, aflita, fui correndo te receber.
Fechei os olhos, abri a porta.
Me larguei, me esqueci.
Você me amou, me feriu e mais me amou. E então foi embora. Deixou a porta aberta.
Foi aí que percebi que tinha aberto mais do que uma porta.
Abri outra ferida em mim.

08/09/2013

Asas

Certa vez um velho, sábio como todos os velhos devem ser, lhe disse que não havia diferença entre tristeza e ansiedade. Ela não se lembrava muito bem da explicação, mas sabia que os dois sempre se encontravam fosse como causa ou consequência, independente da ordem. À princípio, ela usou de toda a sua prepotência pra pensar que aquele velho estava assaz desatualizado. As coisas mudam e alguém daquela idade não conheceria o novo.
Esqueceu o valor do tempo.
Numa tarde, monótona como as tardes de domingo devem ser, se pegou deitada, com as pernas cruzadas, os pés se movimentando rápida e incessantemente e os olhos mirando o teto. Sentiu algo invadindo-lhe. Passava por todo seu corpo desmanchando-lhe, apertando fortemente seu coração e subindo até os olhos, onde os inundava com água do mar.
Estava triste.
Ao mesmo tempo, como se saísse de si mesma, via seu corpo ali entregue, tenso, agitado, tonto.
Sentia-se ansiosa.
Ela entendeu então as palavras do velho. Não sabia dizer o que tinha começado primeiro, mas sabia que um sentimento levava ao outro e eles iam se entrelaçando pelos pensamentos velozes e confusos que lhe passavam.
Faltou-lhe ar.
Tentava encher os pulmões o máximo que pudesse, mas o ar que precisava não lhe cabia no peito.
Escutava carros e aviões, televisões, máquinas e computadores. Procurava no meio daquela bagunça uma razão para tudo isso.
Pensou na liquidez da vida. Ela já tinha ouvido dizer de outras bocas que a vida corria por entre os dedos. Agora tinha certeza que essa era uma verdade. A vida escorre, o dinheiro também escorre, os relacionamentos escorrem, a felicidade escorre.
Tentou se lembrar de quando era feliz.
Lembrou do tempo em que se sentia uma estrangeira. Tinha pensamentos, atitudes e palavras tão acelerados que, num mundo onde tudo andava lentamente, era quase impossível compreendê-la. Percebeu que algo havia mudado. Provavelmente não seus pensamentos, atitude ou palavras, mas o ritmo do mundo.
Agora o que era quase impossível era acompanhar os sucessos da semana, as últimas novidades e os antigos clássicos repaginados. Por onde andasse veria que todas as pessoas eram boas, bonitas e inteligentes. Sentiu-se novamente uma estrangeira. A vida lhe escorria pelas mãos.
Sentiu-se incapaz.
Então ela resolveu parar. Nadar novamente contra a maré da solidão que lhe arrastava. Fechou os olhos e escutou o som ao redor.
E de repente, notou que estavam todos mais tristes e ansiosos que antes e que agora procuravam máscaras que pudessem esconder seus medos e fraquezas. Viu as pessoas dando suor e sangue para se encaixarem no padrão impossível que estabeleceram pra si mesmas, como se no fundo lutassem para ser infelizes. Estavam todos correndo, tentando se segurar no pouco de humanidade que ainda restava em si mesmos. Estavam todos à beira de seus abismos, disfarçando a insegurança com sarcasmo e ironia. Disfarçando covardia com coragem. Estavam todos loucos.
Então ela se sentiu tranquila. Sentia que não era mesmo dali. E resolveu pular.