10/05/2014

Sobre nascer e morrer


Eu sou aquilo que repito.
Sou impulso, engasgo e solidão.
Sou as pernas bêbadas do velho, os olhos estúpidos da criança.
Sou o quase belo da mulata, o atropelo da fantasia.

Sou aquele que espera pelo toque que não nasceu e pelo amor que já morreu.
Eu sou o algo entre o céu e o mar, o ar que falta pra respirar.
Sou capítulo inédito do livro repetido, cavalo selvagem a correr em círculos.

Eu sou o vazio que tenho pra dar e o oco espaço a sufocar.
Eu sou o que sobra, o excesso de nada.
Sou aquele que chora. Eu sou a lágrima que evapora.

Eu sou o que incomoda, aquele que chega e vai embora.

14/03/2014

Apesar de tudo acho que estou no caminho certo. Continuo falhando em atingir meu objetivo mas nunca dou um passo pra trás. Aos poucos eu vou me conhecendo melhor e a minha cabeça começa a se ajeitar.
Sobre isso tive uma epifania enquanto voltava de ônibus pra casa. A epifania de hoje foi, em certa parte, muito simples. Consistiu em ligar dois fatos por mim já conhecidos, mas até então desconexos.

1º fato - A comida é para mim uma forma de punição.
2º fato - Eu não sei lidar com limite.

E aí foi que eu percebi que a comida é o limite. O limite que imponho a mim e ao outro. Fisicamente, inclusive, impedindo e/ou dificultando a proximidade e o toque. O limite é algo que eu espero que o outro me imponha, e, quando feito, tudo o que eu normalmente faço é chorar. Não sei como lidar.
Na construção da minha história coube a mim mesma colocar-me limites. É aí que a comida entra.
Eu sou muito exigente comigo mesma, mas na verdade mal me conheço. Enfiei nessa minha cabeça dura que eu deveria fazer o que desejo e pronto. Mas o que eu desejo? Deixo-me levar pelas vontades e impulsos, sem saber muito o porquê. Faço e logo percebo que não era o que eu queria. Então me arrependo e vem a vontade de comer. Mais um erro. Mais uma culpa. Vergonha. Ocupo-me nesse momento em punir-me e enterrar o erro sob uma montanha de comida.
É algo que acontece frequentemente com quase tudo na vida. Desde escolher entre dormir ou ir a academia até envolver-me com amigos e amores que quase nada têm a ver comigo.
De vez em quando, toda essa angústia e todo mal trato acaba vindo à tona de forma exagerada e confusa, geralmente em atos que eu não consigo explicar bem, como um demasiado carinho direcionado a alguém que não faz parte da minha vida ou palavras rudes e desconexas, uma revolta sem aparente porquê. Nesse momento, geralmente, a dor aumenta e eu como mais. Como porque não mereço ser vista, escondo-me. A comida é ao mesmo tempo o castigo e o remédio.

26/02/2014

Incomodo-me com o rumo que as coisas estão tomando. Não consigo deixar de me sentir mal vendo as pessoas fazerem mal uso de tudo, inclusive de si mesmas. Nem as novidades nem as tradições se salvam. O sentido de quase tudo, das coisas mais simples às mais complexas, foi redirecionado para um fim único e indiscutível que é o gozo. É necessário ter prazer a todo tempo, o mais rápido possível. O custo disso, obviamente, não é barato. 
Vejo meus amigos se travestindo dos seus prazeres, atraindo para si tudo aquilo que um dia souberam que não lhes fazia bem. Vejo eles querendo agradar, querendo ser amados. Vejo as pessoas a quem quero bem em uma relação de dependência com qualquer coisa que lhes faça perder a inibição. Álcool, internet, aparência, tudo é válido para que seu verdadeiro eu possa aparecer sem ter que dar muitas explicações. E ainda assim, sabendo que nada  disso não lhes satisfará, continuam buscando algo que lhes dê prazer. Eu vejo desespero. Eu vejo um mundo de gente vazia, em uma busca incessante de coisa alguma.
O que eu não vejo é onde foi parar a delicadeza das relações, o respeito, o amor. Onde é que podemos discutir ideias e não pessoas, desejos, sentimentos e não impulsos. Onde é que a gente pode pensar o que quiser e falar sobre tudo sem o risco de ser ignorado. Não vejo onde as pessoas podem ser elas mesmas sem obrigação de seduzir ou enganar. Onde podemos não ter medo. Onde podemos ser livres.
Não sei se o que eu desejo ver já existiu ou existirá, mas incomodo-me em perceber que está muito longe do que vejo. Incomodo-me ainda mais em saber que o vejo nos outros é o que há em mim. Ainda estou muito longe de ser eu mesma.