28/10/2009

Ovídio



Se eu pudesse, seria mais sensata;
mas uma força nova arrasta-me contra a minha vontade,
e o desejo atrai-me a uma direção,
e a razão, a outra:
vejo e aprovo o melhor, mas sigo o pior.


14/10/2009

Crônica do Amor

Hoje atendi um homem no posto de saúde com uma ferida de quase 10 cm de profundidade e com 43 anos de idade. Sim, a ferida tinha o dobro da minha idade. No entanto, o que me faz lembrar desse moço não é a quantidade de exudato que ele tinha ou o odor terrível que senti ao atendê-lo, mas sua bela voz e a mensagem que ele quis me deixar no fim da manhã dessa quarta feira. Talvez o texto fosse super clichê, mas recitado por um locutor de rádio em um momento assaz diferente da minha vida me fez vê-lo de outra forma.


Crônica do Amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?
Não pergunte pra mim. Você é inteligente: Lê livros, revistas, jornais; gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.


(Arnaldo Jabor)

06/10/2009

Sinceramente

Ela olhou para aquele quase estranho deitado ao seu lado e tentou se lembrar de como tinha ido parar ali. Quando o conheceu não imaginava que um dia teriam tamanha intimidade. Ela se sentia a vontade ao lado dele, mesmo sabendo que por vezes eles não se compreenderam. Isso era irrelevante perto da alegria que era estar na sua companhia. Sabia que, por vezes, se comportou como criança perto daquele homem. Sentia um pouco de vergonha, mas reconheceu que ele lhe despertara sentimentos que ela nem sabia que poderiam existir.
Ela não conseguia tirar os olhos daquele rapaz. Começava a achar tudo em seu rosto bonito. A boca, o nariz, as bochechas. Seus olhos, que geravam discussões acerca da cor - Não sabia se era azul piscina ou verde esmeralda - até fechados eram belos. Não soube dizer ao certo em que momento começou a se apaixonar por ele. Ela perdera o controle da situação há muito tempo e nesse momento isso ficava claro. Pensou que pela primeira vez na vida tinha gostado de perder o controle. Pensou que fosse talvez uma menina de sorte e que a vida é mesmo engraçada. Pensou que talvez não fosse o melhor momento e que ela poderia sofrer muito, mas desperdiçar aquela oportunidade poderia fazê-la se arrepender pro resto da vida.
Lembrar dos momentos que passaram juntos fazia arrepiar seu corpo todo. Ela gostava de quase tudo naquele rapaz. O jeito, o cheiro, o beijo. Achava até um pouco estranho. Temia que a qualquer momento descobrisse um defeito que abalasse a harmonia dos dois. Resolveu parar de se preocupar.
O tempo que passavam juntos eram bons o suficiente para tira-la da loucura obsessiva que era seu dia-a-dia. Pensou que talvez devesse agradecer àquele homem. Sim, deveria lhe agradecer, mas vê-lo dormir lhe trazia tanta paz que não conseguia sequer se mover. Conseguiu apenas deixar escapar um sorriso discreto, daqueles que só quem é encontrado pela felicidade consegue dar, e cantou baixinho:
Honestamente, eu só quero te dizer que eu acertei o pulo quando te encontrei...