31/07/2009

Des-obrigada.

Acordei pensando em como a minha vida é boa. Uma família legal, um namorado legal, estudo e não preciso trabalhar, saio todos os fins de semana, tenho muitos amigos e nenhum problema grave de saúde. Me senti na abrigação de agradecer a Deus. Mas ao contrário perguntei-Lhe o por quê de ter nascido em uma família de classe média no Brasil?
Agradeci por ter estudado em boas escolas e fazer uma faculdade particular. Agradeci por não ter passado fome e não ter que me preocupar sempre com a maldade alheia. Por poder me preocupar em arrumar um namorado ou em fazer uma festa.
Mas não pude agradecer à Deus por me sentir medíocre. Por não estar preparada para ouvir o outro. Por pertencer à uma classe que se acha detentora de todo conhecimento. Por achar que ouço as melhores músicas, leio os melhores livros e frequento os melhores bares. Por achar que faço e digo coisas inteligentes. Por ser alternativa só pra ser igual.
Não consegui agradecer a Deus por não me deixar levar pelas futilidades da vida, mesmo sabendo que tudo vale a pena, se a alma não é pequena.
Não agradeci por ser irônica e ver vantagem nisso. Por julgar sempre as atitudes alheias de acordo com os parâmetros da classe. Por, mesmo assim, ver as coisas de forma simples e querer que todos vejam também. Por querer desconsiderar os valores morais que há tanto tempo nos orientam. Por querer que me julguem imoral, sim, mas não me condenem por isso.
Não consegui agradecer à Deus por estar na média. Por achar que os meus padrões estão absolutamente corretos. Por achar que existem pessoas inteligente e burras, quando essa é somente mais uma forma de discriminação. Por achar que a inteligência está nas palavras e não nas ações. Por querer falar de coisas inteligentes e não ver que há sabedoria em tudo. Por ter uma visão limitada. Por querer levar a vida com bom humor. Por querer ajudar os outros sem perceber que, por isso, me achava de certa forma superior.
Não pude agradecer à Deus pela vontade de magoar os outros. Pela vontade de responder à altura. Por dizer o que penso a quem não quer ouvir. Por achar que todos achariam graça nas mesmas coisas que eu. Por achar que estando entre outros da classe média, estaria entre iguais. Por querer agradar a quem nem conheço.
Não agradeci a Deus por estudar um pouco e achar que sei muito. Por querer mostrar a todos o pouco que aprendi. Por confundir sabedoria e inteligência. Por não ver beleza nas coisas simples. Por ter que sustentar uma imagem. Por ter que seguir algumas normas para que me achem 'bem educada'.
Me recusei a agradecer por ser obrigadaa preocupar com coisas como roupa, cabelo e bunda. Por ter que medir sempre minhas palavras. Por ter que me preocupar com a opinião alheia. Por ter que ganhar dinheiro. Por ter que saber dirigir. Por ter segurança na minha rua. Por achar ruim ter que dividir algumas coisas com meus irmãos. Por exigir, mesmo implicitamente, cada gota de suor dos meus pais. Por querer consumir. Por me conformar com tudo isso.
E me senti ainda mais pobre por não conseguir agradecer a Deus.
Então perguntei a mim: Por que tenho tanto e sou tão pouco?

29/07/2009

Desafiar-me-ei

Resolvi continuar, só de teimosia.

Fiquei lembrando da minha mãe falando de mim pra minha vó:
"A Ana é muito forte, sabe?! É muito resistente. E como toda pessoa resistente, ela é muito teimosa." Então sussurou: "É igual o pai dela."

Pois, bem. Vou prosseguir só de pirraça. Só porque essa não é a minha maior vontade, mas quero saber até onde eu posso chegar. Tenho mil rotas a seguir, posso ir daqui pro mundo, mas quero ficar porque quero mergulhar mais fundo. Quero sair da rotina e pra não sair da rotina, encarar um desafio. Se nada me desafia nessa relação, eu me desafiarei.
Me desafio a continuar assim mesmo, a não transformar meu sentimento em dó, a mudar algo em mim. Me desafio a fazer isso tudo e ainda fazer alguém feliz.
E, cá entre nós, não há nada que eu queira mais nesse momento que um grande desafio.

Me veio um sorriso leve no rosto. Me surpreendo com o quanto posso ser otimista. Eis ai uma grande qualidade minha: transformar sempre algo ruim em algo bom.

=)

25/07/2009

Sinceramente

Não, você não está em minha mente o tempo todo, não passo os dias esperando por você, não tenho vontade de falar de você em todas as conversas, não quero casar com você, não tenho vontade de saber tudo sobre você, nem de conhecer a sua família. Não tenho fotos suas em todas as minhas coisas, não ando suspirando pelas ruas, não lembro de você em toda música que ouço, não escrevo cartas de amor e nem ponho a minha vida em suas mãos. Mas quando lembro de você sinto um friozinho gostoso na barriga e, às vezes, até arrepio. Quando estou com você, quero somente estar com você, levar a vida devagar, ver o sol nascer. Quando você está comigo não sinto necessidade de dizer nada, viro criança denovo, mudo o jeito de falar, mudo de assunto e não quero mais te soltar. Você desperta o meu desejo.
Gostei do seu charme e do seu groove. Gostei do jeito como rola com você. Gostei do seu papo e do seu perfume. Gostei do jeito como eu rolo com você. Sinceramente, você pode se abrir comigo. Honestamente, eu só quero te dizer que eu acertei o pulo quando te encontrei. (Cachorro Grande)

21/07/2009

Amor feinho

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.


Adélia Prado

15/07/2009

Paixão e Romance


- A Palavra "Paixão" quer dizer sofrimento! Paixão de Cristo, paixão de Joana D'Arc... Em grande aflição eles se apaixonaram, ou seja, quem diz que está apaixonado quer dizer que está sofrendo por amor, mas o que é mais incrível: está gostando de sofrer! Nas histórias românticas amar significa sofrer.
- É uma idéia bonita, mas um pouco estranha. Não se pode querer que o amor traga só felicidade, mas daí a gostar de sofrer por amor!?



- O século XII inventou essa estória de amor com paixão e depois de Tristão e Isolda todo mundo começou a achar muito bonito sofrer por amor.
- Eu acho que sofrer é ruim de todo jeito, mas é melhor viver um grande amor mesmo impossível, do que não amar ninguém.
- Ah, eu não sei... Acho melhor ficar sozinho do que amar a pessoa errada.
- Isso não existe. Quem amou o errado, certo lhe parece.
(Texto e imagem do filme 'Romance', de Guel Arraes.)

13/07/2009

Quando a gente ama uma pessoa, o que é que a gente mais quer nesse mundo?

- Ah, ficar bem juntinho dela.

- Pronto. Tão juntinho, tão juntinho, que como diz o poeta: transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar. Não tenho, logo, mais que desejar, pois já tenho em mim a parte desejada!




Texto e imagem do filme Lisbela e o Prisioneiro

11/07/2009

Sobre o medo

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.




Clarice Lispector

06/07/2009

Procura-se

Ainda assim não conseguiu se desfazer de certa ansiedade. Sentou no chão da cozinha sem soltar o cigarro. O frio da cerâmica se contrapunha ao calor ameno do raio de sol que tocava sua perna. Lamentou ter que se despedir mais uma vez. No entanto, sabia que aquele sol que partia surgiria denovo assim que ela achasse que a noite estivesse sendo longa demais. Lamentou que nem tudo na vida fosse assim.
De repente sua mente ficou vazia. Talvez fosse o efeito da nicotina ou de uma substância calmante qualquer do chá que bebia. Encontrou-se então em um daqueles momentos que ela não gostava de passar – a hora em que ela se escondia de si mesma. Sentia que novamente transformava sua ansiedade em tristeza. Tristeza fora o substantivo que melhor se encaixou no seu estado emocional, mas não era bem isso.
Era algo parecido com preguiça, desânimo. Nesses momentos se apoderava de um estranho silêncio, que só era interrompido por alguma resposta ríspida dada a quem quer que fosse. Tinha vontade de ficar imóvel, ir se desfazendo aos poucos e tomar a forma do piso da cozinha. Tinha vontade de ter alguém por perto talvez. Não vinha à mente a imagem de ninguém que lhe fizesse companhia sem lhe afogar em questionamentos. Talvez estivesse realmente triste.
Procurou em vão um motivo para o surgimento daquele sentimento. Resolveu sair dali, dar uma volta, ler um livro ou ver tv. Poderia se encontrar perdida em algum lugar. Se desse sorte, poderia encontrar aquele belo e estranho rapaz.

04/07/2009

Luzes e Sombras

Levantou-se. Passou a mão pelos cabelos sabendo que não seria suficiente para que eles ficassem belos como nas propagandas de shampoo e prendeu as mechas de uma forma que pudesse esquecer que as possuía por alguns minutos. Faltava-lhe paciência para as coisas do dia-a-dia: Fazer almoço, ir ao banco, calibrar os pneus do carro e até pentear os cabelos. Quando saiu da casa dos pais não pensou que ficaria tão ocupada com afazeres domésticos. Várias vezes havia deixado de pagar algumas contas e já havia passado o dia todo sem comer só porque estava com preguiça.
Agora caminhava até a cozinha pra beber o chá que a essa altura já devia estar frio. Não fazia questão de acender a luz. Gostava de sentir o calor do sol que entrava de mansinho por uma pequena abertura na cortina. Ficava hipnotizada por aquele jogo de luz e sombra no chão da cozinha todo fim de tarde. Era ainda mais belo quando era acompanhado pelo silêncio, coisa rara naquela região da cidade.
Ela gostava de ficar sozinha. Nunca tivera muitos momentos para encontrar consigo mesma naquela casa sempre cheia em que cresceu. Não que não gostasse daquela agitação de família grande. Sempre sorria ao lembrar de pequenos acontecimentos que só alguém que tem muitos irmãos pode entender o que é. Por causa de sua família ela tinha se tornado uma pessoa quase boa. Aprendeu a dividir e a compreender as diferenças, aprendeu a ver alegria nas pequenas coisas e a defender quem ama. Ainda assim gostava de estar só. Sempre foi uma boa companhia para si mesma.

Acendeu um cigarro. Seus pensamentos vinham tão rápidos à mente que precisava de nicotina para freiá-los. Era uma mistura de ansiedade, tristeza, desânimo e esperança. Gostava de cultivar esses sentimentos, não lhe faziam sofrer. Ao contrário, faziam-lhe sentir que estava viva e davam a ela a vontade de apoderar-se cada vez mais deles. O que para a maioria das pessoas seria uma cena triste e melancólica era para ela agora um prazer imensurável. Isso era viver intensamente.

03/07/2009

O início de um contentamento descontente

O infinito sempre fora algo que lhe cansava. Ela gostava mesmo era da efemeridade da vida. Saber que tudo acaba dava à cada minuto um sabor diferente e ela deleitavasse com eles. Desejava o eterno platônicamente. Queria ter sempre uma companhia agradável por perto, alguém que lhe acompanhasse e dividisse os momentos memoráveis. Queria alguém com intimidade suficiente para ficar ao seu lado sem pronunciar uma sequer palavra e para ligar-lhe para falar de coisas fúteis. Ela queria um homem que a desejasse também. Queria tudo isso em uma só pessoa, mas nem sempre a mesma pessoa.
Ela sabia que mais cedo ou mais tarde aquele companheiro seria revestido por uma capa de monotonia cinza e ela iria fugir denovo, mas precisava arriscar. Ela queria ignorar esse fato e amar intensamente. Até que o tédio se aconchegasse alí, eles viveriam momentos inesquecíveis. Era com esses momentos que ela sonhava.
O que nem ela mesmo sabia é que por vezes ela encontrou caras legais que pudessem fazê-la feliz e ela os afastou. Nem sempre por vontade própria.
A sede de felicidade era tanta que ela se perdia em meio às palavras levianas que lhe saltavam à boca na esperança de adiantar o momento tão esperado. Era um vazio tão grande dentro de si que o mundo exterior lhe era sugado. Queria ter a vida que contava a todos que tinha. Ela nunca pôde reclamar da sua vida, mas nunca teve do que se vangloriar. Esperava o homem que lhe traria emoção. Que durasse 10 anos ou 10 minutos, não era o tempo que lhe atormentava. Ela queria desejar alguém mais que tudo na vidinha medíocre que tinha.
Mais que desejo, ela precisava de amor. Em todos esses anos ela nunca havia amado ninguém e pior, não sentía-se amada. Essa constatação trazia-lhe um gosto amargo à
boca. Preferia não pensar nisso. Não mais.
Tinha sido difícil construir aquela mulher atraente que agora a fitava no espelho.
Tinha sido por muitos anos escrava de uma posição que não sabia bem dizer quem havia lhe determinado. Descobriu a duras penas que tinha um jeito próprio de transformar ansiedade em tristeza.
Reconhecer tudo aquilo tinha sido torturante. Ela não queria ver aquele filme novamente. Não agora que a vida parecia ter-lhe dado uma nova chance. Parecia-lhe que a felicidade finalmente batia à porta.

01/07/2009

Contentamento Descontente

Ela tentava se dominar. Mentalizava incessamente que não deveria ser tão ansiosa, que as coisas deveriam fluir naturalmente. Tentava se convencer de que ele não perceberia seu coração bater mais forte e suas pernas bambearem quando ele aproximasse os lábios de sua nuca e o ar que saisse de suas narinas fizesse seu corpo todo arrepiar. Ela sabia que precisava manter a concentração, era só manter a calma. Ela repetia pra si mesmo que tudo tem seu tempo e chamar aquele quase desconhecido de 'amor' seria, com certeza, a deixa para ele desaparecer e isso era tudo o que ela não queria.

Ele não era o cara mais perfeito do mundo. Na verdade estava longe de ser. Era bem humorado, trabalhava e era até bonitinho, mas nada nele lhe despertara desejo, exceto o fato de ser um dos raros homens que ousou lhe desejar. Essa era uma raridade que lhe atraia em demasia. Ver um homem sentir prazer ao vê-la sentir prazer era suficiente pra desejá-lo. Como os outros poucos que se arriscaram, este também havia surgido de repente e também mostrava-se assaz interessado em acompanha-la permanentemente. E ela precisava de companhia, ah! como precisava...
Ela viu ali aquele homem que lhe pareceu tão carinhoso e romântico, simpático e bem humorado. Pareceu-lhe estratégicamente colocado em seu caminho. Então ela desejou desejá-lo mais que tudo em sua vida. Sentiu novamente o ímpeto de se atirar do mais alto abismo, tentar voar e rezar para que fossem muitos os metros que antes do chão. Ela quis se entregar. Quis ligar, abraçar e beijá-lo frequentemente. Quis abrir seu coração para aquele homem que tã oportunamente se apresentava.
Então lembrou que é necessário seguir as regras estabelecidas desde sempre para relacionar-se com terceiros. Não que achasse que aquelas regras fizessem sentido, mas sabia que era esperado que ela as seguisse e caso contrário ficaria claro que ela não era capaz de se dominar e, consequentemente, viver em sociedade.
Pessoas que se deixam dominar pelas emoções não são bem vistas, são consideradas ameaças. Ameaças talvez à monotonia e ao controle ilusório da rotina. Ela queria ignorar tudo isso e correr, mas era impossível soltar-se das amarras da cultura.
Nunca lhe atormentou a idéia de ver alguém partir, o que lhe incomodava era a possibilidade de vê-lo partir sem dividir com ele quantos momentos bons pudessem ter. Era uma mania que ela tinha, tirar de quem se aproximasse toda alegria que ela pudesse dar.
Então ela repetiu pra si mesma que aquele jogo de cartas marcadas era necessário, que era isso que se chamava sedução e tentou não se precipitar, mas nesse momento sua alma já partia livre atrás daquele estranho e belo rapaz.