17/01/2010

A vida tinha ensinado a ele que os maiores problemas do mundo seriam os seus, porque somente eles eram seus e era isso que importava. Ele entendeu que não deveria se intrometer na vida alheia e se preocupar somente com a sua vida. Mas agora, sentado sozinho no ponto de ônibus, percebeu que o seu maior problema é que tinha problemas demais. Na verdade, pensou, só tenho um problema - criar problemas. Naqueles infinitos minutos antes do ônibus passar, Marcelo percebeu como tinha a capacidade de aumentar as coisas. Não adiantava ficar nervoso, xingar e reclamar do atraso do ônibus. Nada disso o aceleraria.
Reclamar vinha sendo seu esporte favorito nas últimas semanas. Reclamava do clima, do trânsito, da programação da tv, da comida e até do seu cachorro, mas reclamava principalmente de como as coisas não funcionavam do jeito que ele queria. A sua vida era cheia de problemas. Esperava das pessoas o mínimo e elas não correspondiam. Ele se atirava em tudo de corpo e alma. Um novo emprego, um novo namoro e até uma nova residência sugariam-lhe toda a energia, e mesmo assim ele iria até o fim. Enfrentaria o que quer que fosse se tivesse decidido a vivenciar uma situação. Marcelo não entendia como a vida não lhe fora recíproca. Ele tinha dado tanto. Procurava e não via nenhuma retribuição. Há semanas isso lhe tirava o sono.
Naquele dia, ele tinha levantado cedo como sempre, tomou banho e um café morno. Resolveu ir pro serviço a pé. Não era nem 8 horas e o sol estava digno de meio dia. Marcelo tinha esquecido que estava em pleno verão, o que implica aquela maldita mudança no relógio.
Já não estava muito animado, estava com sono e o calor estava desconfortante. O terno lhe parecia uma armadura. Tinha vontade de estar em um carro com ar condicionado. Era luxo demais para quem acabara de arrumar um emprego razoável. Quis pegar um ônibus, mas não se permitiu interromper um projeto na metade do caminho. Pensou que seu chefe poderia lhe permitir chegar mais tarde, já que havia trabalhado até tarde da noite no dia anterior e que aquele vizinho do andar de baixo poderia ter oferecido carona. Como as pessoas são egoístas.
Resolveu: Iria pegar um ônibus. Foi andando para o ponto quase bravo, pisando quase forte, fazendo pirraça para si mesmo. Sentou no banco vazio. Aquele ponto não costumava ficar cheio, mas via os ônibus passando pela rua abarrotados de gente. Foi aí que ele entendeu.
A vida era assim mesmo. Os brasileiros acordam cedo, trabalham muito e se alimentam mal. Ele não era injustiçado por ter um emprego. Era justamente o contrário. E saltou-lhe à boca um "BURRO!" quando percebeu que poderia sim chegar um pouco mais tarde no serviço e ir de carro com ar condicionado. Poderia se tivesse pedido. Era muito óbvio.
Ninguém tem obrigação de adivinhar quais são as suas vontades. E no mundo de hoje, quem há de se preocupar com o que te incomoda? Pouco importa se você se doa muito ou não, você não tem o direito de cobrar reciprocidade. Ele percebeu que tudo na sua vida poderia ter sido mais fácil afinal, se ele não tivesse complicado as coisas. Ele poderia ter pedido carona outras vezes e ter falado que não retornar uma ligação o deixava irritado. Ele podia ter sido simples.
"O que seria de mim se não fosse tanto orgulho?"- Pensou ao dar sinal para o ônibus que chegava.

14/01/2010

Pedem-me pouco, pedem-me quase nada. O terrível é que eu tenho muito para dar e tenho que engolir esse muito e ainda por cima dizer com delicadeza: Obrigada por receberem de mim um pouquinho de mim.


(Clarice Lispector)