21/07/2010

Rush

19:00h. Normalmente ele esperaria mais um hora para sair. Nesse dia ele resolvera enfrentar o caos do trânsito no horário de pico da metrópole. Ele ligaria o som em uma rádio que tocasse uma música animada e ficaria olhando as pessoas com os nervos à flor da pele enlouquecerem nos carros ao lado. Ele precisava arrumar algo para ocupar a mente. Não que estivesse atolado em problemas ou que algo estivesse tirando suas noites de sono. Era justamente o contrário. Estava tudo muito tranquilo. A vida estava muito boa. O coração já estava quase em paz, havia sido promovido no trabalho e em casa o clima não poderia ser melhor. Como isso o incomodava! E o incômodo ainda lhe fazia sentir-se culpado. O que havia de errado afinal com o sossego? Não conseguia sentir-se confortável, mas sabia que momentos de paz como esse eram raros em sua vida. Ele havia se acostumado em viver intensamente e tinha aprendido a ser feliz assim.
Tinha decidido logo jovem que tudo em sua vida seria grande. Lembrava-se de sua mãe dizendo que tudo na vida passa, a dor e a alegria e não sei mais o que, conforme está escrito na Bíblia. Ele tinha entendido que, na verdade, o que levamos são as lembranças, que os momentos especiais duram muito pouco, mas as sensações provocadas pelas recordações, essas sim eram quase infinitas. O que atrapalhava era sua memória nada confiavel e acabava sempre por esquecer o que lhe fazia feliz. Pra piorar, sua desorganização e seu desagpego faziam-lhe abrir mão, voluntariamente ou não, de quaisquer objetos que pudessem lhe remeter a tais momentos. Ele quase não tinha fotos ou cartas e as poucasque guardara estavam esquecidas há tempos.
O jeito então era viver qualquer sentimento como um acontecimento extraordinário, independentemente da veracidade dele. A dificuldade era o principal atrativo em qualquer evento. Ele gostava dos relacionamentos mais difíceis, das empregos mais cansativos. Ele gostava de prolongar e intensificar o sofrimento dos rompimentos, abondonos e decepções, só por saber que eles haveriam de acabar um dia. A alegria, então, durava semanas e ele a aproveitava até a última gota. Parecia louco, dançava e cantava pela rua afora e ria sozinho constantemente. Costumava sentir dores nas bochechas de tanto rir.
Ultimamente estava tudo diferente. A dor e a mágoa estavam prestes a acabar definitivamente e ele ainda não tinha encontrado algo em que pudesse mergulhar denovo. Não havia encontrado ninguém que lhe oferecesse desafio interessante. Sem sentimentos exacerbados, estava tudo em equilíbrio, então.
Ele tinha se tornado aquilo que fingira ser durante toda a vida. Ele chegou aonde queria e não sabia aonde estava.

Um comentário:

Luiza Moraes disse...

"Ele tinha se tornado aquilo que fingira ser durante toda a vida. Ele chegou aonde queria e não sabia aonde estava."

Que lindo isso que você escreveu Tetê.*-* Você tem o dom.
Gostei do novo visual do seu blog. Eu mudo o meu de acordo com o meu humor. rs

Beijos (=