10/08/2019


Quando você saiu sem dizer adeus eu já não aguentava mais. Arfava a falta do ar que perdi correndo pra te encontrar. Mal conseguia manter os olhos abertos. Mesmo assim fico esperando você voltar com o pão e o café. Procurando algum porém que preencha seu silêncio. 

Na rua os olhos aflitos parecem me reconhecer. Atrapalho-me. É um rumo meio trôpego que a vida tem tomado. 
Penso no avesso que fomos ou seremos. Enganados pelo tempo, começamos pelo fim. 

Lembro das coisas simples de nós dois. Coisas que a gente nem deu nome. Meu cabelo no seu rosto e você coçar o nariz. Olhar nos seus olhos um pouco antes de mudar de lugar. Brigar com o despertador caída nos seus braços. 

Logo lembro das vezes que me lançou no vazio. As promessas não cumpridas e a ameaça da partida. Consumo-me em preocupação e culpa, tomada pela dúvida de como estarão as coisas por aí. Temo estar sendo injusta. Logo menos absorve-me o medo de amanhã te ver de mãos dadas com outra mulher. Aí o espelho me fere. As dobras, marcas e cicatrizes apertam, cortam e sufocam dizendo que não há quem possa querê-las. Nos meus olhos só cabem lágrimas. 

Uma cerveja, um acorde, um carinho e o ar de volta nos meus pulmões. Distraio. Logo surge despercebida uma vontade de conquistar algo qualquer em você.

Quem sabe façamos as pazes com o tempo e ele nos guarde em uma gaveta, salvando metade da minha alma que é sua e logo mais eu possa sentir seu cheiro de novo nos meus lençóis.

Quem sabe um dia esses eu esqueça o seu gosto e o seu calor. Quem sabe eu não tenha mais notícias e me esqueça aos poucos a cor dos seus olhos. Quem sabe você fuja também dos meus sonhos.

Você não me deu bom dia hoje. Será que você está bem? Você jurou que não mentia. Você prometeu que vinha e não apareceu. Te vi conversando com uma moça aquele dia. Você disse que não estava bem. Será que hoje você tá bem? Você não me deu bom dia hoje. 



05/05/2019

Aos Domingos

Nada muda. No relógio são quase cinco, pela janela uma fresta da última luz do dia, na nuca mais uma gota de suor escorre. Já varri a sala e limpei o frogão, logo vem mais um gol na tv. Pensei em te ligar algumas vezes mas o pouco assunto além do “Oi, tudo bem?” me fez desistir. Passa um ônibus, uma moto. Buzina, farol e a boca seca. Daqui quase dá pra ouvir conversarem o vizinho e a sua esposa enquanto assistem o Faustão. A máquina bate a roupa, o estômago meio embrulhado. Não me atenho a pensar em você. Sua lembrança é como uma onda no inicinho da manhã. Deixo estar. Seu abraço me faz falta nos dias cansados e seu beijo, nos dias frios, mas já não te quero nos fins de domingo. Não são meus os seus instantes. Penso em querer algo qualquer na sua companhia. Entre avessos e tropeços, às vezes te quero aqui. Sem esforço, aconteço. Há de chegar a hora de ver seus olhos. Já está escuro agora. É preciso acender a luz. Não corro, nada muda por alguns domingos.

18/04/2019

Casa de palha

Seus braços no meu peito sem sobrar espaço.
Seu silêncio no meu dia ecoando o vazio do outro laço.
Não fomos, seremos.
Partidos ficamos.
As palavras que disse, a vírgula não quis escutar.
No lugar de não caber, passei a não mais estar.
Desvestido do sorriso, seu cheiro no meu cheiro.
Bastasse meu querer mandar, estaríamos num céu de desespero.
Caímos ao outono, chegada sem partida.
Céu limpo, suspenso, amargo,
Mas correto assim.
Escuro na lua nova, caído.
Sossego do deserto, ferido, seguido.


23/11/2017

A vista de cima das nuvens

Agora, às vésperas do início da quarta década, vivendo um sem-tempo inferno astral, encontro-me às voltas com dizeres do passado. Antigos, eu diria, se não tivessem sido escritos um dia antes de ontem.
Olhos e ouvidos atentos. Punha-me a andar certa como dois e dois são cinco.
O viver, no entanto, se pôs na travessia. No caminho de fazer ser, muita coisa também foi atravesso. Nem toda palavra ecoou. Mas indo, foi. E vai. Longe do  planejado e e com maior regojizo do que imaginado. Vai. À luz da mulher, descobrindo a ida.
Por entre os passos, muitas foram as palavras que transbordaram. "Você é toda errada". "A mais forte da casa". Penso que não seja um contraponto, mas um especular de uma "Edição Especial".
Depois que a gente cresce, a tristeza vira cansaço e o vazio preenche-se de um fazer sem fim. Penso que é esse o jeito. Que as coisas não são consertadas, somente perdem a precisão. O fantasiar vai ficando pelo caminho, mas o sonho, não. Ainda que não haja onde chegar, fazendo o caminho faz-se o caminhante.
Tereza, aquela do Manuel Bandeira, que tinha a cara parecida com uma perna, às vezes aparece por aqui. Guardei algumas palavras dela. "Esquizofrênico". Não entendia, mas gostava. Ainda gosta. Travessias ou travessuras?
"Acho que é um pé de galinha". Só pode ser porque os olhos nasceram e ficaram esperando 10 anos que o resto do corpo nascesse. Foi sim. Manuel disse. Olhos de olhar lindezas, eu acho. Por isso tanta pressa pra nascer. Os braços e pernas demoraram mais. Estavam se preparando para o lidar. Nasceram para carregar água na peneira.
Ponho-me a trançar o errado, o belo e o possível, tecendo cestos de carregar mundo. Não me desfaço do fazer. O porquê existe ali. Tem sido assim. Às vezes trombo, caio, refaço, desisto. Soluço, espirro, tropeço.  Fujo pro vazio, silêncio. Não é tão errado assim.
Depois volto a caminhar. Não tem hora de chegada. Com as pernas tontas e cansadas, a cabeça cheia de formiga, corpo pesado e olhos esguios, eu vou. A menina e a moça também vêm. Indo a gente vai.  Mal dá pra ver o início do caminho, mas dá pra ver a riqueza que mora aqui. Indo o tempo ajeita as coisas. Eu só faço me acompanhar.